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MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics
e-ISSN 2594-9187
https://doi.org/10.30800/mises.2025.v13.1611

Ensaios & Insights

Marcos Giansante

0009-0003-8441-0057

Instituto Mises Brasil, São Paulo, Brasil

Dr. Marcos H. Giansante é um cirurgião digestivo e escritor brasileiro baseado em São Paulo. Estudante de pós-graduação em Economia Austríaca e Filosofia no Instituto Mises Brasil e contribui para debates acadêmicos e públicos sobre liberdade, ciência e poder estatal a partir de uma perspectiva liberal clássica. E-mail: giansante@dbsaudecirurgia.com.br

Políticas públicas e miopia metodológica: uma crítica epistemológica austríaca à revisão sistemática com meta-análise da Cochrane Library (2023)

Resumo: A revisão sistemática publicada em 2023 pela Cochrane Library sobre o uso de barreiras físicas para conter vírus respiratórios tornou-se um marco no debate científico e político em torno das intervenções não farmacológicas durante pandemias. Este artigo analisa o conteúdo e as implicações do estudo da Cochrane Library (2023) à luz da epistemologia austríaca, destacando os limites do conhecimento empírico em fenômenos sociais complexos, os riscos da pretensão cientificista na formulação de políticas públicas e os perigos da coerção estatal quando baseada em evidências incertas. Conclui-se que a prudência institucional e o respeito à liberdade individual devem prevalecer diante da incerteza científica.

Keywords: Escola Austríaca, coerção estatal, pandemia, epistemologia.

Introdução

Em meio à crescente politização das estratégias de enfrentamento da pandemia de SARS-CoV-2, a revisão sistemática publicada em 2023 pela Cochrane Library reacendeu o debate sobre a eficácia do uso de máscaras como medida de saúde pública. O estudo conduzido por Jefferson e colaboradores. teve como objetivo investigar, com base em evidências de alta qualidade, se intervenções físicas – incluindo o uso de máscaras – são eficazes na redução da propagação de vírus respiratórios, como influenza, coronavírus e outros patógenos transmitidos pelo ar (Jefferson et al., 2023).

Como este artigo discute aspectos de um segundo trabalho, também da Cochrane Library (2023), será mantido ao longo do texto o cuidado de indicar claramente a qual estudo se faz referência em cada momento. O que à primeira vista pode parecer repetitivo é, na verdade, uma precaução intencional voltada a garantir a clareza do argumento – especialmente em uma análise que busca rigor conceitual e epistemológico quanto aos limites da evidência científica e aos riscos de sua aplicação direta na formulação de políticas públicas coercitivas.

Metodologia do presente artigo

Este artigo analisa criticamente o estudo da Cochrane Library de 2023 a partir dos pressupostos epistemológicos da Escola Austríaca de Economia, com ênfase nos limites do conhecimento científico quando aplicado à formulação de políticas públicas. A abordagem metodológica adotada é a de um ensaio crítico com base teórico-interpretativa, fundamentado em uma revisão narrativa da literatura. Esse método permite a integração de diferentes tradições teóricas e a construção de uma crítica contextualizada, conforme proposto por autores como Booth, Colomb e Williams (2008, pp. 127-129) e Minayo (2001, p. 43). O objetivo não é refutar os dados empíricos apresentados, mas questionar sua aplicabilidade normativa e os riscos éticos, políticos e institucionais envolvidos no uso desse tipo de evidência como base para políticas públicas restritivas.

Metodologia da revisão sistemática da Cochrane Library (2023)

A revisão sistemática de 2023 conduzida por Jefferson et al., publicada pela Cochrane Library, segue o arcabouço metodológico da medicina baseada em evidências (MBE), que prioriza os ensaios clínicos randomizados (ECRs) como padrão-ouro na avaliação de intervenções em saúde. Conforme estabelecido no Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions (Higgins et al., 2019, pp. 3-6), a revisão empregou protocolos padronizados para a busca de dados, avaliação do risco de viés e síntese estatística por meio de meta-análise.

Ao todo, foram incluídos 78 ECRs, dos quais 11 enfocavam especificamente o uso de máscaras em ambientes comunitários. Os dados foram organizados em três comparações principais: (1) máscaras cirúrgicas versus ausência de máscaras; (2) respiradores N95/P2 versus máscaras cirúrgicas; e (3) uso de máscaras associado a outras intervenções não farmacológicas, como a higiene das mãos.

A revisão dedicou atenção especial aos respiradores do tipo N95 (ou PFF2, na classificação brasileira), projetados para filtrar pelo menos 95% das partículas suspensas no ar com diâmetro ≥ 0,3 μm, desde que devidamente ajustados ao rosto. Diferentemente das máscaras cirúrgicas – que atuam primariamente como barreiras unidirecionais contra gotículas – os respiradores N95 oferecem proteção bidirecional por meio de filtragem eletrostática e mecânica. No entanto, sua eficácia depende fortemente do ajuste adequado, do tempo de uso e da integridade do material – fatores que foram controlados de forma inconsistente nos estudos incluídos (CDCP, 2020).

A conclusão mais controversa da revisão foi a de que o uso de máscaras “provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença” na prevenção de síndromes gripais ou quadros semelhantes à COVID-19, tanto em ambientes comunitários quanto hospitalares (Jefferson et al., 2023, p. 2). Esse resultado baseou-se em meta-análises caracterizadas por baixa certeza da evidência, devido sobretudo à heterogeneidade metodológica, à variabilidade na adesão, à inconsistência dos protocolos, ao controle precário da qualidade dos materiais e à presença de múltiplos vieses potenciais.

É importante destacar que os próprios autores alertam: “Os resultados agrupados não fornecem evidências conclusivas de que o uso de máscaras reduza significativamente infecções respiratórias, devido à baixa certeza geral da evidência” (Jefferson et al., 2023, p. 14). Em resumo, a revisão não afirma que as máscaras sejam ineficazes per se, mas sim que os estudos empíricos disponíveis não oferecem evidência suficientemente robusta para afirmar sua eficácia com confiança estatística.

Discussão

A discussão é desenvolvida em cinco subseções, iniciando-se com uma análise de duas expressões que se tornaram onipresentes tanto no vocabulário popular quanto científico: “política pública” e “medicina baseada em evidências” (MBE). Esses termos são frequentemente adotados sem o devido exame crítico ou reflexão epistemológica. Aqui, eles são revisitados sob a ótica austríaca, que enfatiza o individualismo metodológico, a subjetividade do valor e os limites do conhecimento centralizado. As subseções seguintes exploram como esses pressupostos fundamentais se relacionam com a estrutura metodológica e as implicações políticas da revisão da Cochrane Library.

Políticas públicas e a pretensão do saber

Segundo Thomas Dye, “política pública é tudo aquilo que os governos escolhem fazer ou deixar de fazer” (2013, p. 3), incluindo suas omissões estratégicas. Lasswell (1951, p. 3) sintetizou a essência do processo político por meio de sua célebre pergunta: “quem recebe o quê, quando e como?”, revelando o caráter seletivo e distributivo das decisões estatais. De forma semelhante, Jenkins descreveu as políticas públicas como “um conjunto de decisões inter-relacionadas tomadas por atores políticos ou administrativos com o objetivo de alcançar metas definidas em situações específicas” (1978, p. 15). Embora úteis, tais formulações partem do pressuposto de que o Estado é um agente racional e benevolente – premissa essa radicalmente contestada pela Escola Austríaca.

A Escola Austríaca propõe uma crítica mais profunda. Para Ludwig von Mises (1949/2010), a intervenção estatal perturba os mecanismos espontâneos de coordenação do mercado, gerando distorções e desencadeando novas intervenções – até que o planejamento central substitua por completo a liberdade econômica. Friedrich A. Hayek (1944/2007) dverte que as políticas públicas centralizadas nascem da “presunção fatal” de que as autoridades sabem melhor do que os indivíduos como devem viver suas vidas. Rothbard (1973/2009) radicaliza ainda mais essa crítica ao definir o Estado como uma força monopolista cujas políticas refletem os interesses de grupos privilegiados, e não o mítico “bem comum”.

Essa visão é reforçada pelo conceito de ordem espontânea – central na tradição austríaca – segundo o qual as estruturas sociais mais complexas e eficientes não surgem de projetos deliberados, mas da interação livre entre indivíduos. Trata-se de um processo emergente e não planejado, que respeita a pluralidade dos fins humanos. A imposição de políticas públicas com base em modelos estatísticos ignora esse tecido social dinâmico e substitui o conhecimento disperso dos indivíduos por comandos burocráticos e homogeneizantes.

Por fim, a Escola Austríaca rejeita a ideia de que o Estado deva ocupar o centro da ordem social. Como afirma Mises (1949/2010) de forma contundente: “os homens existem independentemente das políticas públicas; as políticas públicas, no entanto, não existem independentemente dos homens”. Essa inversão lógica – tratar os indivíduos como meros objetos das políticas – constitui um erro tanto epistemológico quanto ético. Antes de aceitar o discurso técnico da ação estatal como inevitável ou benevolente, é preciso recordar que a liberdade, a responsabilidade pessoal e o voluntarismo são os verdadeiros fundamentos de qualquer ordem genuinamente humana.

A metanálise como instrumento de validação científica

Dentro da hierarquia da medicina baseada em evidências (MBE), a metanálise é frequentemente apresentada como o mais elevado grau de confiabilidade científica, especialmente quando aplicada a revisões sistemáticas como a da Cochrane Library (Jefferson et al., 2023). Do ponto de vista metodológico, trata-se de uma técnica estatística que busca sintetizar os resultados de múltiplos estudos primários sobre um mesmo tema, oferecendo uma estimativa quantitativa agregada do efeito investigado (Higgins et al., 2019). Essa pretensão de robustez – ao reunir dados de contextos diversos – confere à metanálise um status quase normativo na formulação de políticas públicas em saúde, muitas vezes equiparando-a a um consenso científico.

No entanto, conforme discutido na seção anterior, a transformação de resultados estatísticos em diretrizes normativas envolve riscos epistemológicos e éticos substanciais. Como advertiu Ioannidis, os resultados de uma metanálise podem ser seriamente comprometidos por fatores como viés de publicação, heterogeneidade metodológica entre os estudos incluídos e escolhas subjetivas nos critérios de seleção (Ioannidis, 2005, p. 0708). Ademais, ao se basear em dados históricos e inferência estatística indutiva, a metanálise incorre no erro de tratar o conhecimento como algo passível de agregação mecânica, ignorando – como enfatizou Hayek em O uso do conhecimento na sociedade – que “o conhecimento relevante aqui não é dado a ninguém em sua totalidade”, mas consiste em “fragmentos dispersos de saberes incompletos e frequentemente contraditórios que todos os indivíduos separados possuem” (Hayek, 1945, pp. 519-520).

Essa ilusão estatística compromete a compreensão genuína da ação humana em contextos dinâmicos e imprevisíveis. Em vez de servir como instrumento de investigação crítica, a metanálise pode converter-se em um mecanismo de validação automática de políticas já orientadas por interesses comerciais ou estatais – como frequentemente se observa na farmacologia. Ao conferir uma aparência de neutralidade técnica a decisões sociais de alto impacto, ela – assim como a própria MBE – corre o risco de fomentar uma falsa sensação de certeza derivada da ignorância metodológica, na qual a aparência de rigor estatístico substitui a análise praxeológica e a responsabilidade individual na condução da ação humana (Higgins et al., 2019; Jefferson et al., 2023).

Análise epistemológica

O estudo da Cochrane Library (2023) – ainda que certamente de forma não intencional – oferece um caso ilustrativo dos limites da ciência aplicada ao comportamento humano em larga escala, sob o epíteto dogmático das chamadas políticas públicas. A epistemologia austríaca, tal como desenvolvida por Ludwig von Mises e Friedrich A. Hayek, sustenta que os fenômenos sociais são categoricamente distintos dos fenômenos naturais: são compostos por ações humanas intencionais, contextuais e motivadas subjetivamente. Por isso, sua previsibilidade é, por definição, limitada (Hayek, 1945, p. 519; Mises, 1949/2010, p. 67).

Hayek, ao criticar a pretensão de saber dos planejadores sociais, advertiu que governar populações com base em modelos científicos altamente agregados constitui uma forma de racionalismo construtivista fadado ao fracasso (Hayek, 1945, p. 524). A dificuldade da revisão da Cochrane Library em obter dados conclusivos reflete justamente esse limite: o uso de máscaras depende de adesão voluntária, conforto individual, percepção de risco, confiança institucional e uma infinidade de outros fatores que escapam ao controle experimental (Jefferson et al., 2023).

A Escola Austríaca adverte, portanto, que não é a ausência de dados que fragiliza as políticas coercitivas baseadas na ciência, mas a ilusão de que tais dados possam algum dia ser suficientemente abrangentes, confiáveis e neutros em termos contextuais. Sua epistemologia, fundada no individualismo metodológico e na incerteza radical, rejeita a noção de previsibilidade agregada dos fenômenos sociais. Mises ressalta que a praxeologia – ciência da ação humana – não busca prever o comportamento com base em estatísticas, mas compreender logicamente os princípios universais da ação intencional (Mises, 1949/2010, p. 69). Ele adota uma abordagem a priori – fundamentada na tradição filosófica de Immanuel Kant, para quem “o conhecimento a priori não deriva da experiência, mas torna a experiência possível” (Kant, 1781/2001, p. 46) – para formular o axioma de que o homem age, ou seja, escolhe meios para alcançar fins. Essa estrutura epistemológica contrasta radicalmente com os métodos empíricos das ciências naturais. Hoppe argumenta de forma similar ao afirmar que “as teorias praxeológicas não podem ser testadas em laboratório como nas ciências naturais, pois os dados sociais estão sempre impregnados de interpretações e motivações subjetivas” (Hoppe, 2006, p. 60).

Essa diferença fundamental também se expressa no conceito de ordem espontânea – termo central da tradição austríaca – que descreve a emergência de estruturas sociais complexas, estáveis e funcionais a partir da interação voluntária entre indivíduos livres, sem necessidade de comando centralizado. As intervenções políticas que ignoram essa dinâmica frequentemente incorrem em erros sistemáticos de previsão e controle.

Tentar construir intervenções universais com base em evidências incertas equivale a ignorar a complexidade do mundo real – e isso, como demonstraram Hayek e Mises, acarreta elevados custos morais e sociais (Hayek, 1945, p. 525; Mises, 1949/2010, p. 885).

Tendências, ação e a falácia dos dados agregados: Uma crítica austríaca ao empirismo coercitivo

Vozes contemporâneas da Escola Austríaca têm aprofundado essa crítica epistemológica. Matthew McCaffrey sintetiza de forma precisa a questão central: “A praxeologia não nega os dados, mas rejeita sua autoridade normativa. A ação humana não é extraída de um banco de dados; ela é vivida, situada, irrepetível e não pode ser modelada em planilhas” (McCaffrey, 2022, p. 4). Sua observação resume uma preocupação mais ampla entre os estudiosos austríacos: a abstração estatística – embora por vezes informativa – jamais pode substituir a compreensão interpretativa da ação humana intencional.

Hélio Coutinho Beltrão adverte que, sob o disfarce de neutralidade científica, políticas sanitárias coercitivas frequentemente ocultam interesses políticos. Ele destaca como a “evidência científica” foi instrumentalizada como ferramenta de obediência, regulando até mesmo aspectos privados da vida cotidiana (Beltrão, 2021, p. 10). Fernando D’Andrea, em Planejamento e liberdade em tempos de pandemia, argumenta que políticas baseadas em dados supostamente objetivos frequentemente mascaram juízos normativos e decisões centralizadas por trás de uma retórica tecnocrática (D’Andrea, 2022, p. 35).

Fabio Barbieri reforça a ênfase austríaca na teoria do valor subjetivo, criticando o tratamento de métricas agregadas como imperativos éticos. Sua obra faz a ponte entre epistemologia e análise econômica, defendendo a insubstituibilidade do juízo individual nos assuntos humanos (Barbieri, 2022, p. 57). Esses apontamentos ecoam preocupações austríacas mais antigas sobre o uso indevido da estatística e os perigos do planejamento central.

Historicamente, essa linha de crítica encontra precedentes em pensadores como Hans F. Sennholz, discípulo direto de Mises e professor de longa data no Grove City College. Em The Economics of Freedom, ele enfatizava que “as políticas baseadas em médias estatísticas violam a singularidade dos indivíduos” e defendia que a verdadeira compreensão econômica e social deve sempre começar pela pessoa que age – e não por abstrações coletivistas (Sennholz, 1986, p. 72). Seu papel na preservação e difusão do pensamento misesiano no contexto acadêmico norte-americano é indispensável à continuidade do movimento austríaco moderno.

Tomadas em conjunto, essas perspectivas reforçam um dos ensinamentos clássicos da Escola Austríaca: em momentos de crise, a sedução da governança estatística se intensifica – mas também seus perigos. A tradição austríaca – de Menger a Mises, Hayek e seus sucessores – nos recorda que liberdade, complexidade e responsabilidade moral não podem ser planejadas, nem agregadas, tampouco programadas. Elas devem ser escolhidas, vividas e defendidas contra a tentação persistente da certeza tecnocrática.

Conclusão: Circularidade epistemológica e a ilusão da neutralidade científica

Esta crítica culmina naquilo que pode ser descrito – com cautela, mas com rigor – como um paradoxo epistemológico: a revisão da Cochrane Library, embora aspire a questionar a ortodoxia das políticas de saúde, permanece enredada nos mesmos pressupostos metodológicos que busca avaliar. Seus achados, fundamentados em dados estatísticos agregados e analisados por métodos ancorados no empirismo, tentam aferir a eficácia do uso de máscaras ignorando a natureza intrinsecamente complexa e dependente de contexto da ação humana.

Ao basear-se em dados históricos – aquilo que Mises (1949/2010) denominou “instantâneos do passado” – e tentar extrair deles um valor prescritivo, a revisão da Cochrane incorre em um processo de raciocínio circular: utiliza ferramentas empíricas para julgar outras ferramentas empíricas. Essa tautologia metodológica, ou petitio principii, corre o risco de validar seus próprios pressupostos em vez de colocá-los à prova. O resultado é uma forma de mimetismo analítico: uma crítica que aparenta ser rigorosa, mas que, ao final, reafirma a lógica tecnocrática que poderia ter sido desafiada.

A Escola Austríaca, alicerçada na praxeologia e no raciocínio a priori, oferece uma alternativa decisiva. Mises (1949/2010) enfatizou que a ação não pode ser compreendida por meio de agregados, mas deve ser deduzida a partir do propósito e da escolha individual. Hayek (1945) alertou contra a “pretensão do saber” inerente ao planejamento central, e Hoppe (1989/2006) lembrou que as teorias sobre a ação humana não podem ser falseadas empiricamente da mesma forma que as ciências naturais. Mesmo Popper (1959/2009), embora frequentemente contrastado com o pensamento austríaco, reconheceu que a verdadeira ciência deve ser falsificável – um critério não atendido pelo raciocínio circular das metanálises.

As implicações práticas são significativas. Se modelos estatísticos construídos sobre pressupostos falhos orientam políticas que restringem o comportamento individual, então tais políticas herdam os defeitos epistemológicos de suas bases. Decisões tecnocráticas, quando descoladas do contexto individual e da agência moral, convertem a incerteza política em certeza coercitiva.

Como insight final deste artigo, reiteramos: se há incerteza científica, deve haver humildade política. E, quando há conflito entre o saber centralizado e a ação individual, a liberdade deve permanecer a regra – não a exceção.

Referências

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Enviado: APR 21 2025 | Aprovado: MAY 04 2025 | Publicado: JULY 31 2025

MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, São Paulo, 2025, v. 13.